Quem conta um conto....acrescenta outro conto
- Katya Kitajima Borges
- 30 de nov. de 2023
- 2 min de leitura

As duas últimas semanas com a netinha, a pequena Manuela, fizeram-me recordar os tempos de infância do meu filho. O menino amava histórias contadas, pedia que contasse além do que estava escrito nos livros. A rotina de todas as noites incluía uma contação. Tinha que reservar um tempo maior porque já sabia que a noite ia ser longa. Muitas vezes, cansada do trabalho, acabava adormecendo no meio da historinha e era despertada com cutucadas pedindo para continuar. Ele se mantinha entusiasmado querendo saber como acabava a história. “E depois? O que aconteceu?”. Não havia capítulos para contar por partes, tinha que haver começo, meio e fim de uma vez só. Assim ficava satisfeito e sossegava para dormir.
Era muito interessante porque ele não se contentava com histórias ao pé da letra, nem ipsis litteris, saltitava de alegria quando íamos além do que estava escrito no livro. Os tradicionais contos ganhavam rumos surpreendentes. Os personagens infantis mudavam de personalidade e se misturavam com os de outras historinhas. Os cenários pulavam de uma época para outra. As narrativas consistiam em diferentes formas de palavras, sons dos diálogos, descrição de imagens e muita improvisação. Haja criatividade e inspiração para satisfazer o guri.
Deixa estar que, no contar aqui e contar ali, ia me dando conta que construía as narrativas de acordo com as minhas vivências e valores. Percebia que contava ao filho as minhas próprias histórias, fantasias, desejos, sentimentos e percepções. Projetava meu entendimento de mundo, das relações que construía com as pessoas, fazia diálogos desejáveis e sem julgamentos, expressava as emoções, os desconfortos, indignações. O meu chefe na época, coitado, se transformou no vilão pavoroso que sempre se dava mal no final. Imagina que chegava até a sonhar com os personagens que eu mesma criava.
Desde então, valorizo a potência das narrativas, assim como na clínica, o valor do contar histórias, o valor das minhas histórias que me ancoram e edificam na vida. O contar que faz dar sentido, validar que podemos continuamente reconstruir, acomodar, desfazer ou refazer as histórias dentro de mim. Obrigada filho.
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