Caixa com Girassóis
- Katya Kitajima Borges
- 30 de nov. de 2023
- 2 min de leitura
Atualizado: 23 de fev. de 2024
Por um tempo evitei ver as mídias sociais no dia das mães. Sentia-me incomodada e desconfortável com as celebrações dos filhos que podiam abraçar suas mães. Minha mãe fez a sua passagem aos 55 anos, exatamente na idade que tenho hoje. Ela se foi de forma repentina, sem direito a despedida, fragilizou-se pela sua maior potencia, o seu grande coração. Embora já estivesse enfrentado uma doença crônica, ela não morreu da doença em si, mas de danos provocados pelo que se acreditava ser o melhor para ela, o que se chama nos termos médicos de latrogenia.

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O primeiro impulso de autoproteção foi guardar as suas lembranças, coloquei todas numa caixa de madeira pintada de azul com pequenos girassóis no seu entorno, e deixei-a no canto mais alto e afastado do meu armário. Ainda que pudesse acreditar que o tempo acomodaria tudo no lugar, evitava olhar em direção àquele espaço. Apesar de ignorar a sua existência, sentia que a caixa estava lá.
Estava habituada a lidar profissionalmente com a dor da perda dos outros. Conhecia a teoria dos estudos sobre o luto na clínica, mas não tinha sentido na pele como era visceral perder, sem aviso prévio, o seu primeiro e grande vínculo afetivo. A velha máxima do faça o que digo e não faça o que eu faço não podia funcionar. Foi necessário reconhecer que precisava tomar o rumo certo e validar os efeitos significativos de uma perda tão profunda. Permitir a vivência desta experiência difícil, no primeiro momento, desorganiza e nos fragmenta, mas com dedicação amorosa conseguimos juntar, peça por peça, feito arte de mosaico.
Encapsular a dor da perda, é deixar fazer também um efeito adverso iatrogênico para tratar a alma machucada. Revisitar a caixa azul com os girassóis foi remédio amargo e difícil de engolir, mas teve efeito curador a longo prazo. Já não preciso de caixas para as recordações, agora guardo tudo nas boas lembranças da saudade dentro de mim.
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